Até pouco tempo atrás, se você tivesse nascido com talento ou dom para pilotar e tivesse dado a sorte de nascer em uma família com condições financeiras para bancá-lo no esporte, teria boas chances de se destacar no motociclismo off-road.
No entanto, os tempos mudaram.
Nos últimos 20 anos, a evolução aplicada às motocicletas refletiu também no esporte: hoje, não basta querer pilotar em alto nível e ter nascido com jeito para a coisa: é preciso uma boa dose de dedicação pautada pela consistência e, claro, de suporte financeiro.
Se um destes elementos faltar ao longo da caminhada, os resultados ficarão bem aquém dos necessários para se alcançar o alto do pódio.
Assim, quando nos vemos diante de campeões, certamente estamos diante de alguém diferenciado, que abdicou de muitas coisas em prol de seu objetivo: o destaque no esporte.
Mas quer saber? O preço que as vitórias cobram é muito menor do que aquele que resulta da mediocridade, uma vez que quando o pódio chega, a sensação de vitória e de dever cumprido se sobrepõe de longe ao castigo amargo que a derrota impõe aos preguiçosos e indolentes.
Neste artigo, fomos atrás de bater um papo com os melhores pilotos brasileiros de motocross para tentar desvendar suas rotinas e o que se passa nas suas mentes campeãs.
Motocross
Carlos Campano
Pentacampeão brasileiro de motocross MX1 (2012, 2014, 2015, 2017 e 2018) e campeão mundial de MX3 (2010).
“O mais importante que o piloto deve ter para ser um piloto de ponta é sua disposição a enfrentar sacrifícios. Claro que é preciso ter talento, porque no fim, quando você está competindo em alto nível, você vai disputar com caras que trabalham tanto quanto você e será o talento o diferencial.
O motocross não é um esporte fácil onde você chega a um nível bom rápido; você vai precisar de toda uma vida de treinos e sacrifícios. É um esporte dolorido, com muitas lesões e terá de lidar com as rotinas de recuperação e com a ansiedade da espera.
Para mim não é um grande sacrifício treinar forte, na verdade, eu curto me melhorar, então, sei que meu treino é focado para isso e para mim não é trabalho, embora seja duro. Para mim não é sacrifício tirar da minha vida a balada, dormir tarde, pois não curto isso, mas sei que para outros é um grande inconveniente e precisam se forçar para conseguir isso.
Outra coisa que é preciso é cuidar da sua alimentação. Mas o mais duro é ficar longe da família, pois desde os meus 17 anos moro fora de casa (fiquei dois anos na Itália, dois anos na Inglaterra, quatro anos na Bélgica e Holanda, porque era o que eu precisava para melhorar, pois eram nestes países onde estavam as provas, as principais equipes do Mundial; as pistas mais difíceis do mundo estão na Bélgica e na Holanda, pois o chão é mole, formam-se muitas canaletas, o tempo é ruim, mas isso faz de você um piloto mais forte e competitivo.
Às vezes, para um piloto do Norte da Europa não é um sacrifício, pois ele poderá morar na sua casa mas para um cara como eu, do Sul da Espanha, acostumado com um clima mais quente e com gente mais positiva e alegre, com os amigos, é uma outra cultura. Lá no inverno, 4, 5 da tarde já está escuro, você fica muito triste, ainda mais estando longe de casa, então para mim, esse foi o maior sacrifício.
Corro no Brasil desde 2012, estou muito longe de casa, dos meus amigos, mas por outro lado, é o que eu gosto, então, é um sacrifício que vale a pena.
Isso é o pior do motocross: você vai precisar se sacrificar e trabalhar muito e ainda vai precisar de sorte, pois não depende apenas de si, pois pode acontecer algum problema mecânico, outro piloto pode errar e cair na sua frente e te machucar, então é um esporte onde você precisa estar bem, se sacrificar e ter sorte.
Por isso é tão difícil ser um campeão no motocross e ainda mais difícil ser campeão várias vezes, mantendo-se em alto nível por vários anos.”
Hector Assunção
Pentacampeão do Arena Cross nas categorias Pró (2019), MX2 (2015), Júnior (2010 e 2009) e 85cc (2007) e hexacampeão brasileiro de motocross MX2 (2015, 2014 e 2012); 85cc (2007) e 65cc (2005 e 2004)
“Responder à pergunta sobre o que faz um campeão é difícil, mas acho que ser campeão vai além de ganhar uma corrida ou campeonato. É acreditar e vencer você mesmo. É estar feliz com o seu desempenho. Nem sempre a melhor corrida foi a que eu venci. O que torna você campeão é não desistir e saber que é possível.
Não basta você só querer ser campeão, tem que se dedicar bastante, treinar, deixar muita coisa de lado.
Sou profissional desde quando comecei a andar, ainda muito novo. Na época, meu irmão (Roosevelt Assunção) já era campeão brasileiro e eu sempre o tive como espelho. Então, praticamente desde os meus 11 anos, já tive que deixar muita coisa de lado para treinar e ir para a corrida. Muitas vezes eu estava brincando na rua, com meus amigos, jogando bola, quando meu pai me chamava para ir treinar. Muitas vezes eu ia treinar de manhã, só eu e meu pai na pista. Andar de moto é muito legal, mas quando você é criança ou adolescente, ter que deixar de brincar com seus amigos é um sacrifício. Isso faz a diferença de alguém que quer só competir para quem quer ser um campeão. Tem que ser uma pessoa batalhadora. Hoje em dia, para se manter no topo do esporte, você tem que sacrificar muita coisa, deixar a família de lado no final de semana para ir à corrida; namorada; vida de balada; comer tudo que a gente quer. Todo esse esforço é necessário para chegar no final de uma corrida ou de um campeonato e subir no lugar mais alto do pódio. Quando você alcança esse resultado que tanto deseja, você vê que tudo isso que deixou de lado para vencer, realmente, valeu a pena.
Eu tive que sair de casa. Morei por quatro anos em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Depois, deixei tudo, o conforto de casa, para viver com a equipe no Paraná e intensificar os treinamentos. Abri mão de muita coisa, muitos finais de semana, nos quais não podia sair para as baladas, tive que deixar de namorar, de curtir com os amigos, tudo para poder estar no esporte.
Isso que me torna um campeão. É você querer muito e ter que deixar muita coisa de lado. Quando você sobe lá no topo do pódio, quando você é campeão, passa um filme na sua cabeça ali naquele milésimo de segundo e você vê que realmente tudo vale a pena. Um sacrifício assim serve não só para o esporte, mas para qualquer coisa que você faça na vida.”
Jetro Salazar
Bicampeão brasileiro de motocross MX1 (2016 e 2019) e Elite MX (2018 e 2019)
“Com certeza, a disciplina é o que faz um campeão. É você ter que fazer os treinos, seja de moto, físico ou mental, independente de qualquer adversidade.
Para se chegar ao topo do esporte, A primeira coisa é estar em equilíbrio emocional, mental e físico. A sua vida precisa estar alinhada para que você consiga só se preocupar em chegar no topo. É muito difícil você tentar chegar lá quando tem muitos outros problemas no dia a dia, distrações, e a vida não está 100% equilibrada para você apenas se concentrar em um único propósito.
O nível de sacrifício depende muito do que ele quiser como meta, porque se ele quiser alcançar um nível mais alto, terá que sair para outro lugar. Aí vem o grande sacrifício que é deixar a família, que é o maior pilar que a gente tem. O resto não é um sacrifício, é o nosso trabalho. Sofremos nos treinos físicos e de moto, mas foi o que a gente escolheu fazer. Na minha opinião, não tem um piloto profissional que não goste de fazer o que a gente faz. Se você compara com outros tipos de trabalhos, o que a gente faz é muito bom.
A minha vida de piloto é uma rotina muito repetitiva. A gente acorda cedo para treinar de moto no CT (Centro de Treinamento). Depois almoçamos, vamos para a academia e dormimos. Aí no outro dia acordamos, temos um pouco de tempo para ficar com a família e seguimos para o treino físico, que geralmente é bem longo, quando a gente não treina de moto. Se a minha família, minha esposa e meu filho, não estivessem comigo no dia a dia, nos treinos, eu teria pouco tempo para vê-los. Em resumo, fico o período da manhã no CT, à tarde, cerca de 2h30, na academia. Sempre procuro dormir um pouco após o almoço para recarregar as energias. É essa a minha rotina.
Um dos exemplos do que faço para ser campeão é sempre me colocar na posição de campeão, de um vencedor. Sabe o momento da bandeirada para quem ganha a corrida? Tento sempre pensar nesse momento, principalmente perto do dia da competição. Tenho que estar preparado, sei do grande esforço, de toda a dedicação no dia a dia e procuro buscar aquela faísca para eu acordar e treinar do melhor jeito possível.
Fábio “Moranguinho” Santos
Tricampeão brasileiro de motocross MX2 (2016, 2018 e 2019)
“A dedicação faz você ser um campeão! Do meu ponto de vista a dedicação é tudo! Ou você se dedica 110% ou você vê seus sonhos sendo realizados por outras pessoas. Eu abri mão de muitas e muitas coisas para chegar onde estou hoje; acabei perdendo algumas amizades e algumas oportunidades mas não me arrependo de nada: esse era meu sonho e se fosse pra fazer de novo faria com o maior prazer!
A rotina diária de treinos de um piloto de motocross faz de você um triatleta! Atualmente pedalo muito de bike, corro a pé, muito treino na academia e muitas e muitas horas em cima da moto sempre em busca de evolução!”
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