Minas não tem praias, mas por outro lado, tem um mar de montanhas cujo relevo curvilíneo foi inspiração para Oscar Niemeyer desenhar as linhas da Igreja de São Francisco de Assis, considerada um marco de sua arquitetura e orgulho para todos os mineiros.
As curvas que o relevo acidentado de Minas Gerais apresentam trazem também cenários idílicos nos quais tapetes de vegetação verde traçam caminhos irregulares na direção do horizonte, abrindo um sem-número de possibilidades para enternecer os olhares até menos sensíveis.
E foi justamente esta combinação entre o distanciamento da praia com a vastidão de áreas montanhosas que fez de Minas Gerais – e em especial da Grande Belo Horizonte – a capital nacional do trail.
Não por acaso, grandes nomes do motociclismo off-road nacional são egressos de Minas Gerais. Ayres Mascarenhas, Jorge Balbi, Jorge Balbi Jr. e Mariana Balbi, Bernardo “Bê” Magalhães, Felipe Zanol, Luís Felipe Braga Bastos, Guilherme Marchetti, Dário Júlio, Mário Vignate, Tunico Maciel, Rígor Rico e Ripi Galileu, entre outros, são todos crias das dificuldades e enroscos que as montanhas mineiras oferecem, confirmando a tese de que, quanto maiores os desafios, mais fortes tornam-se aqueles que os superam.
Centro econômico e político do estado, a região da Grande Belo Horizonte sempre foi famosa por oferecer uma enorme quantidade de possibilidades para os amantes dos esportes outdoor, entre eles, os aficionados pelo motociclismo off-road.
A história do trail em Minas Gerais
Ninguém sabe ao certo quando o trail começou a ser praticado; uns dizem que nos anos 60 já tinha gente de moto percorrendo os antigos caminhos remanescentes das trilhas dos Bandeirantes, enquanto outros asseguram que o trail em Minas começou mesmo nos Anos 70, quando caras como Ayres Mascarenhas e Téo Mascarenhas, Paulo Celso, Lair Renó e alguns outros começaram a rodar pela região com as motos que haviam na época como, Búfalo (uma Honda CG adaptada por um concessionário de Belo Horizonte), FBM (importada da Argentina) e Montesa (espanhola).
Mas foi a partir do início dos Anos 80 que as trilhas de Belo Horizonte começaram a ser exploradas por um número maior de aventureiros urbanos. Motos como as Yamaha TT-125 e DT 180, além da Honda XL 250R foram as responsáveis por provocar este primeiro boom do esporte.
Foi nesta época que surgiria aquela que se tornaria a prova mais tradicional do enduro nacional.
Criado em 1983, o Enduro da Independência procurou levar os trilheiros a percorrerem os caminhos que antigamente ligavam as Minas Gerais ao Rio de Janeiro, por onde escravos, mercadores e contrabandistas carregaram no passado o ouro que era remetido à Portugal.
Estes caminhos foram batizados de “Estrada Real” e depois de um tempo no obscurantismo, ganhou marcações e um projeto de exploração que faz dele hoje um destino rural visitado por milhares de turistas todos os anos.
A prova foi um sucesso e até hoje continua a ser disputada de forma ininterrupta, comandada pela batuta do TCMG (Trail Clube Minas Gerais), o mais ativo e profissionalizado do país e cuja sede fica no coração da capital mineira.
Foi a partir de então que algumas trilhas famosas começaram a surgir no cenário do trilheiro mineiro.
O critério de batismo se dava – e ainda hoje é assim – por conta de algum evento, característica ou mesmo fato curioso que foi observado ou estava presente no momento em que um trilheiro decidiu dar nome àquele trecho.
“As trilhas eram nomeadas em função de alguma coisa que estava acontecendo na época ou então, por causa de algo que você encontrava no caminho”, explica Téo Mascarenhas, que hoje atua como jornalista especializado em veículos no jornal “O Estado de Minas”.
“Desaparecida”, “Somoza”, “Três Jotas”, “Vaca Oca”, “da Inflação” (por que era uma subida muito forte, como a Inflação nos Anos 80/90), “Salário Mínimo” (uma descida muito íngreme), “Tapete Branco”, “Trilha do He-Man”, “Lucélia Santos”, “Perdidas”, “50 Metros”, “Cachorro Louco”, “Morro do Bê”, foram algumas das trilhas que passaram a fazer a alegria daquela turma sedenta por desafios e aventuras.
Trilhas foram fechando ao longo do tempo
Com o passar do tempo, entretanto, o crescimento das cidades provocado pelo avanço dos condomínios horizontais de alto padrão foi acabando com o parquinho dos belo-horizontinos e embora muitas até hoje sejam frequentadas pela galera do off-road, trilhas como a icônica “Olimpo dos Urubus”, “Três Marias”, “Escravos” e “Ferradura”, foram apropriadas pelos muros da classe alta.
Outro fator que também tem contribuído com o fechamento de algumas trilhas é a questão ambiental.
Visando a recuperação das espécies nativas, bem como do próprio terreno, algumas trilhas do entorno de Belo Horizonte encontram-se fechadas pelas autoridades ambientais. Por outro lado, há também um movimento para preservar o trail mineiro.
“Existe uma moção em andamento junto ao governo de Minas Gerais para tombar a região da “Trilha Perdidas”, tornando-a um patrimônio do trail mineiro e com isso, impedindo que ela venha, no futuro, ser destruída pela especulação imobiliária”, revela Gustavo Jacob, uma das figuras mais importantes do motociclismo mineiro, que já foi presidente do TCMG e atualmente preside a Federação Mineira de Motociclismo (FEMEMG) e é o atual primeiro vice-presidente da CBM (Confederação Brasileira de Motociclismo).
Segundo Kelder Campos, um dos trilheiros mais conhecidos de BH, o “Morro do Bê” hoje já está tombado pelo poder público e o acesso a ele só é possível de bike ou a pé.
Além disso, uma característica peculiar a Minas faz com que as trilhas locais venham a ter vida longa e estejam à salvo da volúpia imobiliária.
“Belo Horizonte é cercada de mineradoras e muitas das trilhas atravessam estas áreas e isso evita que desapareçam”, explica Leonardo Tavares, o “Léo Corrosivo”, trilheiro, fotógrafo, jornalista e vídeo maker.
“Entretanto, a crise das barragens desencadeada pelos rompimentos de Mariana e Brumadinho tem feito a Vale descaracterizar algumas das trilhas no trabalho de reforço de algumas outras barragens”, explica Téo Mascarenhas.
É claro que quando falamos em “trilhas de Belo Horizonte” estamos falando obviamente da região da Grande Belo Horizonte, abrangendo além da capital mineira os municípios de Nova Lima e principalmente, Macacos, considerada a meca do trail mineiro.
Bar do Marcinho – um clássico para os trilheiros
Além das trilhas tem um elemento que não pode faltar no cardápio de atrações do trilheiro: o bar.
Bar de trilheiro é dirt table total, ou roots, como se diz hoje em dia.
Não importa se você faz trilha em São Paulo, Minas, Paraná, Amazonas ou Acre: em algum momento a turma vai parar em um boteco de aspecto rústico, para recuperar as energias e tirar sarro da cara um do outro, comendo um torresmo com pêlo ou um ovo colorido.
Para beber, tubaína ou uma real e honesta breja gelada, degustados no clássico copo americano, enquanto alguns moradores locais fazem do trio carta, cachaça e sinuca o único passatempo em meio ao nada.
Em Belo Horizonte o ponto de encontro é o famoso e mítico Bar do Marcinho, que atrai cada vez mais clientes apaixonados por trilhas.
“Quando eu era pequeno, entre 1982 e 1984, eu ficava todo sábado e domingo sentado na porteira lá de casa cobrando pedágio dos “treieiros” que passavam por lá. Além de pagarem a taxa, ainda levavam roupa, biscoito, material escolar”, revela Márcio Rodrigues, o Marcinho, explicando que as doações ajudavam muito uma família pobre de 9 filhos.
A ideia da cobrança do pedágio, segundo ele, foi dos próprios trilheiros que viam a condição difícil daquela família ao passarem por ali. “No mesmo dia já estava lá o colchete, que eu só abria quando recebia um troquinho”, recorda-se Marcinho.
O bar foi aberto em 1987, em boa parte, graças à ajuda dos trilheiros: as mesas e cadeiras foram feitas a partir de caixas de motos doadas por Beto Motorauto, enquanto que para gelar a cerveja trazida em lombo de burro a um quilômetro de distância, o gelo era levado em pacotes pelos próprios trilheiros. “Às vezes o jeito era tomar a cerveja quente mesmo”, relembra.
O menu era composto por coisas que não estragavam, revela Marcinho, como carne seca e outros alimentos enlatados. Mas tinha também um legítimo frango caipira, morto por um dos Rodrigues no quintal da casa a pedido dos trilheiros e servido fresquinho na hora do almoço.
Isso não impedia que vez ou outra, uma galinha mais ousada passeasse sobre as mesas dos convivas, motivo a mais de risadas e piadas.
“A primeira panela de pressão foi dada por Milton José da Rocha, dono da marca de jeans Wrangler, porque demorava muito para cozinhar o frango”, ri alto ao recordar-se da cena.
Atualmente, o Bar do Marcinho recebe cerca de 500 pessoas todos os finais de semana, além de realizar eventos especiais que atraem cerca de 2 mil pessoas; os dois empreendimentos da família oferecem emprego para 21 pessoas, todas moradoras locais.
As melhores trilhas de Belo Horizonte
Agora, depois de saber de tanta história certamente você deve ter ficado aguado de vontade de trilhar por lá, mas se você é de fora de Belo Horizonte e sequer sabe chegar no ponto de início das trilhas, não se desespere.
Atualmente existem alguns trilheiros e empresas que desenvolvem pacotes feitos sob medida para quem deseja desbravar as trilhas e caminhos de BH.
Vamos conhecer as melhores trilhas da cidade?
1. Fast Brothers
Capitaneada por Gianino Coscareli, experiente piloto local, que tem entre suas credenciais, ter trabalhado no Red Bull Romaniacs de 2015, ter sido track manager do Minas Riders de 2017 e campeão da classe Bronze do Red Bull Romaniacs de 2018.
“Quando pequeno, a casa dos meus pais ficava ao lado das trilhas, então, foi natural eu ter começado a andar de moto muito cedo e a fazer muitos amigos. Esses caras passaram pouco a pouco a deixarem suas motos lá em casa; eu limpava todas elas e quando chegava o final de semana seguinte, estavam prontas para encararem as trilhas de novo”, recorda-se Coscarelli. Depois de receber um ultimato dos pais devido à superlotação da garagem da casa dos pais, decidiu criar seu hotel para motos.
Em 2016, Gianino teve a oportunidade de conhecer ninguém menos que Martin Freinademetz, o famoso criador e track manager do Red Bull Romaniacs, durante a passagem do Mundial de Super Enduro pelo ginásio do Mineirinho, em Belo Horizonte. “Ele me abriu muito a cabeça sobre as possibilidades de fazer do meu hobby um negócio e assim, decidi criar a Fast Brothers”, relembra.
2. Trilha das Aguinhas
A trilha de aproximadamente duas horas é ideal para quem quer curtir de moto ou de bike.
São pouco mais de 20km que seguem um pequeno rio, permitem um visual incrível atravessando túneis desativados de uma antiga linha de ferro.
Vale a pena para curtir um dia tranquilo com aventuras diferentes.
3. Trilha da Cachoeira das Codornas
A trilha tem um tempo de duração de duas a quatro horas, e pode ser feita de bike ou a pé.
No fim do caminho, de um pouco mais de 20km, existe uma cachoeira incrível. Por isso, o ideal é aproveitar os dias de sol para fazer o percurso e poder aproveitar ao máximo todas as experiências que essa trilha oferece.
4. Trilha do Retiro das Pedras
Com duas a quatro horas de duração, a Trilha do Retiro das Pedras tem aproximadamente 12km e pode ser feita a pé ou de bike.
Assim como a Trilha da Cachoeira das Codornas, a Retiro das Pedras também tem uma recompensa deliciosa e refrescante ao fim do percurso: uma cachoeira incrível que merece ser conhecida!
5. Trilha da Cachoeira de Santo Antônio
Localizada em Caeté, a trilha da Cachoeira de Santo Antônio tem um tempo médio de duração de uma a duas horas de percurso, que pode ser feito a pé, de moto, de bike ou de carro.
No fim do percurso, você encontrará a famosa Cachoeira do Morro Vermelho, um dos destinos preferidos dos diversos aventureiros da cidade e região.
6. Trilha de Ouro Preto até Lavras Novas
Se você quer uma trilha carregada de história, seguir a Estrada Real entre Ouro Preto e Lavras novas pode ser uma boa opção.
O percurso pode ser feito a pé ou de bike, e tem duração média de três a cinco horas.
A trilha passa por dentro da mata e por uma pequena estrada de cascalho, permitindo também que você conheça a Represa do Custódio, um local lindo que vale a pena.
O caminho tem aproximadamente 16km, com subidas e descidas.
7. Mirante Serra do Curral
Se você não quer sair da cidade para realizar uma trilha, o Parque do Mirante da Serra do Curral é uma excelente opção.
Com um trajeto de aproximadamente 6,5km, ele permite que você tenha uma vista diferente e maravilhosa da cidade.
O percurso deve ser feito a pé, é gratuito e fica próximo ao Parque das Mangabeiras.
Se você está começando a se interessar por trilhas, esse é um bom começo.
Além das trilhas que citamos, ainda existem algumas clássicas que valem a pena ser desbravadas por apaixonados por natureza e aventura.
São elas:
- Trilha Desaparecida
- Trilha Somoza
- Trilha Três Jotas
- Trilha da Vaca Oca
- Trilha da Inflação
- Trilha Tapete Branco
- Trilha Salário Mínimo
- Trilha do He-man
- Trilha Lucélia Santos
- Trilha Perdidas
- Trilha 50 metros
- Trilha Cachorro Louco
A escolha dos roteiros vai depender do nível de expertise dos participantes, sendo recomendado que este seja o mais homogêneo possível para que todos se divirtam.
Para os mais experientes e técnicos, Gianino oferecesse a possibilidade de conhecer as famosas trilhas por onde passou o Red Bull Minas Riders de 2017, mas também, passeios mais “light” para quem ainda não está preparado para encarar desafios tão casca-grossas também podem ser montados.
A dica é conferir as trilhas e criar um roteiro para ter experiências incríveis em cada uma delas.
Se você ainda quer aprender mais sobre trilhas antes de se aventurar, que tal conhecer as melhores motos para a prática? Confira nosso artigo: Quais são as melhores motos para trilha?.